A
sociedade ocidental experimenta uma fase de neurose coletiva, dividida entre “a
situação de ter” e “a situação de ser” – afirma Erich Fromm, o mais célebre dos
pensadores psicanalíticos, em seu livro intitulado To have or to be? Erich Fromm, aos 78 anos de idade, não só escreve
de maneira muito clara (coisa rara em muitos autores nesse campo), como não
raro se dedica à análise da própria psicanálise.
Segundo
Fromm, a sociedade ocidental é empurrada para a “situação de ter” pelo que se
chama de mentalidade (ou filosofia neo-epicurista) de consumo. A felicidade e o
bem-estar se realizariam através da posse ou obtenção de desejos e apelos
materiais. Mas como a plenitude não é alcançada, as exigências de possuir – de “ter”
– são intermináveis. Há ocasiões em que o desejo de posse se torna obsessivo e
poder-se-ia extrapolar daí, sobre o que diz From, para o plano místico da
possessão, em que as coisas “têm” o homem e não este as coisas.
Já a “situação
de ser” (ou estado de ser, que pouco tem a ver com a nossa velha expressão “maneira
de ser”) não se basearia na posse material, mas na experiência humana, pessoal
e coletiva. A sua essência reside no pleno uso de nossas potencialidades e na
satisfação de uma vida ativa e independente. Enquanto a “situação de ter” conduz
à frustração, à avareza e ao egoísmo – pior ainda, ao egocentrismo em último
grau – a “situação de ser” é generosa, aberta e disposta à comunicação e à
comunhão. Fromm torna claro que mestres de sabedoria, líderes espirituais como
Cristo ou Buda, místicos indianos, sábios judeus e muitos filósofos sempre
enfatizaram que o verdadeiro objetivo do homem é o de ser muito e não o de ter
muito.
A
riqueza material tende a aprisionar o homem e prejudicar a busca da riqueza
interior (ou paz de espírito) e o seu florescimento como pessoa. Mas, de acordo
com Fromm, desde a Revolução Industrial a sociedade ocidental tende a deixar-se
conduzir pela torrente que a leva ao culto das coisas materiais, tendo a
chamada economia de consumo completado esse processo.
Diz ele
que o consumidor (tão bem descrito de maneira popular e acessível por Vance
Packard em seus trabalhos) é o eterno recém-nascido que mama e chora por causa
da mamadeira – sendo cada mamadeira mais sofisticada do que a anterior.
“Nós
somos uma sociedade de gente notoriamente infeliz, solitária, angustiada,
deprimida, destrutiva e dependente, gente que somente se sente satisfeita
quando matou o tempo, esse tempo que tentamos economizar com tanta dificuldade”.
Mas a “situação
de ter” não torna apenas infelizes as pessoas. Erich Fromm procura demonstrar –
com muitos exemplos – que a obsessão com a posse de bens materiais põe em
perigo a própria sobrevivência da espécie. Ela estimula conflitos e guerras
entre nações e classes, conduz a uma exploração brutal do planeta e a
destruição (por vezes irreparável) do meio ambiente, do equilíbrio da natureza
e dos sistemas naturais de sustentação da vida. Ele considera que a sociedade
industrial está fatigada, distorcida e endurecida, violenta e cínica. Esse “rat
rate” (como dizem os americanos) pode conduzir a uma guerra nuclear ou a uma
catástrofe ecológica. Portanto, a cura para neurose coletiva é a aplicação de
freios a essa correria, o que só pode ocorrer na medida em que – com líderes e
massas – houver um esforço no sentido de “ser” e não de “ter”, uma privação
voluntária do que é supérfluo e a negação dos chamados “status symbols” materiais.
Hermano
Alves
Texto que encontrei em minha prova de Português II ontem. Excelente texto, parabenizo meu grande professor Celso, que terá sua despedida hoje, pelo grande trabalho que sempre realizou, por todo conteúdo que transmitiu em suas aulas, obrigado!
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